segunda-feira, 21 de julho de 2014

Varredora que não dispunha de banheiros e lugares adequados para fazer suas refeições deve ser indenizada



"Há um cristalino retrocesso social quando passamos a admitir que, dada a natureza externa do labor - limpeza das ruas do Município de Pelotas -, o trabalhador possa ser privado de direitos tão comezinhos como o de usar banheiro para a satisfação de suas necessidades fisiológicas ou a ter um local adequado para fazer suas refeições. Se o Judiciário Trabalhista concluir ser incensurável esse proceder, estará avalizando violações das mais perversas no mundo do trabalho". Este foi o entendimento da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) ao condenar a Delta Construções S.A. a pagar indenização por danos morais de R$ 10 mil a uma trabalhadora. Ela alegou ser obrigada a comer em locais públicos, sem higiene, além de sofrer constrangimentos ao ter que utilizar banheiros emprestados. A decisão reforma sentença da 4ª Vara do Trabalho de Pelotas, que julgou improcedente o pleito. Cabe recurso ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
 
A empregada foi admitida em fevereiro de 2010 e despedida em agosto de 2011. Sua atividade consistia em realizar serviços gerais de varrição nas ruas de Pelotas. Na petição inicial, alegou que sequer banheiros químicos eram disponibilizados pela empresa durante a jornada de trabalho. Também afirmou que, em razão da inexistência de refeitórios, era obrigada a consumir comidas frias ou já deterioradas, pela falta de acondicionamento adequado. Ainda segundo relatou, era necessário fazer necessidades fisiológicas em campos, ou perto de árvores, e quando estava menstruada passava pelo constrangimento e humilhação de não ter um lugar adequado para realizar sua higiene pessoal.
 
O juízo da 4ª VT de Pelotas, entretanto, não acolheu os argumentos da trabalhadora, porque considerou que a natureza externa do trabalho faz com que os empregados se submetam a condições diferentes daqueles que exercem suas atividades dentro de fábricas ou outros estabelecimentos. Na sentença, o juiz também argumentou que muitos trabalhadores compartilham dessas mesmas condições e nem por isso pode-se dizer que todos sejam vítimas de danos morais a serem reparados. Ainda, do ponto de vista do magistrado de primeira instância, não se pode afirmar que o trabalho externo, por si só, torne os ambientes inóspitos para refeições, sendo que muitas vezes os locais podem ser até mesmo "muito aprazíveis". Descontente, a empregada recorreu da decisão ao TRT-RS.
 
Cenário abjeto
Ao apreciar o caso, o relator do recurso na 3ª Turma, juiz convocado Marcos Fagundes Salomão, afirmou que a comprovação dos fatos alegados pela trabalhadora foi feita com provas robustas. O magistrado destacou seis relatos, além do depoimento da própria autora, emprestados de reclamatórias trabalhistas contra a mesma empresa.
 
Em um dos depoimentos, uma empregada declarou que precisava utilizar banheiros emprestados e que nem sempre isso era possível, porque os proprietários recusavam-se a emprestar ao ver as suas roupas sujas por causa do trabalho. Outro depoente afirmou que precisava aquecer sua comida em latas, utilizando-se de álcool para acender fogo. Os reclamantes também afirmaram que a comida muitas vezes "azedava" por ficar muito tempo fora de um ambiente adequado para sua conservação.
 
Para o relator, os depoimentos compõem um "cenário abjeto". Na opinião do magistrado, evoluiu-se muito pouco em 500 anos no Brasil, o que se reflete na aparente impossibilidade de não nos colocarmos no lugar do outro, com um olhar de humanidade e justiça. "Não nos indignamos ao vermos seres humanos alimentando-se feito bicho, na rua, junto a toda sorte de detritos. Somos capazes até de pensar ser ‘aprazível’ almoçar naquelas condições. Aceitamos passivamente que trabalhadores, pais e mães de família, façam suas necessidades fisiológicas no mato", ponderou. "Nenhuma atividade laboral, por mais específica que seja a sua natureza, justifica essa desumanidade", frisou.
De acordo com Salomão, se o Poder Judiciário concordar com essa conduta, estará avalizando a institucionalização do trabalho degradante, uma das formas da chamada escravidão contemporânea, que reduz o homem a uma "coisa". "A sociedade como um todo, a despeito da imprescindibilidade de determinados trabalhadores - como o são os que realizam a limpeza das vias urbanas, caso da autora - trata-os com indisfarçável desprezo", observou. O juiz também embasou seu ponto de vista na Norma Regulamentadora nº 24 do Ministério do Trabalho e Emprego e em julgados do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Salomão arbitrou o valor da indenização em 50 remunerações recebidas pela trabalhadora. Entretanto, o desembargador Gilberto Souza dos Santos observou que a empresa possui diversas ações neste mesmo sentido e que o Ministério Público do Trabalho pode, eventualmente, pleitear indenização por danos coletivos. O magistrado também observou valores aplicados pelo TRT-RS em ações semelhantes e optou por fixar em R$ 10 mil o valor, no que foi acompanhado pelo desembargador Ricardo Carvalho Fraga.


Fonte: Juliano Machado/Secom TRT4
http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/comunicacao/noticia/info/NoticiaWindow?cod=901303&action=2&destaque=false

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